Kika no ÁfricaFace - Como anda a nossa instituição ou a que veio a SEPPIR
10 anos da SEPPIR, tudo muito lindo, na montanha de Pirro...
Fui ao evento em comemoração aos 10 anos da SEPPIR que ocorreu esta semana. Tudo muito glamoroso, encolhidinho e asséptico. Tentei entrar na sala das autoridades, mesmo tendo cadeiras vazias e indo representar a OAB-Bahia. Com dificuldade consegui. Tentei falar, não consegui. Levantei a mão, o representante da SEPPIR, me indicou a mão, mas não me autorizou a fala. Quem falou e divergiu teve resposta combinada e panfletária.
A nuvem de ostentação institucional sufoca as mínimas críticas. As falas extemporâneas, repetitivas e estampadas de lugares comuns deram a tônica ao Seminário. Pensei ouvir ideias que nos desafiassem sobre o tema do evento: “Representação Polica e Combate ao Racismo, que faz parte do ciclo de Seminários Temáticos, Democracia e Desenvolvimento”. Tudo foi feito para não se dizer nada de novo e nada de essencial aos nossos maiores desafios.
A excelente professora Marilena Chauí ficou na penumbra do que já foi dito na década de 60 por Florestan Fernandes. A única coisa nova foi falar para nós o que ela revela ter aprendido conosco; os conceitos ressemantizados de “Mito”, (como narrativa de exclusão), “Ideologia” (onde a cidadania se reveste como privilégio de classe), “Verdade” (onde a democracia se constitui como histórica criação de direitos), antigos eixos terminológicos da filosofa, todos da ordem imanentista e do materialismo histórico. Esses sintomas de contra-ideologia só farão sentido neste Seminário, se, a partir dele a douta doutora dirija-se ao público da USP, por exemplo, e afirme que existe racismo e que ele é fundacional e estruturante sobre as desigualdades brasileira. Isto não precisa ser dito para uma classe média negra militante.
A inversão do real poderia se constituir numa inversão epistemológica em que estes conceitos ressemantizados, agora parecem ganhar terreno junto a uma inteligência esclarecida. A questão do negro e do racismo é uma questão nacional e é responsabilidade de toda sociedade. Otavio Ianni nos falava isso na década de 70. Ainda estamos na fase em que temos que mostrar que brancos sensíveis estão do nosso lado. Será que fazer manifestações tipo MST esta fora de moda? Sorte da Secretaria Vera Lúcia Barbosa (SPM-BA) que sabe bem de que lado está. Representações do Movimento Negro até tentaram fazer manifestação no seminário pasteurizado. Não fizeram! Cometeram um erro. Aliás, vacilam silentes frente à penumbra unânime em que nada se pode dizer sem que se leve a pecha de chato. O sentimento que tenho, e que nos deixam sentir, é que estamos praticando um crime monárquico de Lesa Majestade. Nada pode ser dito sem que nos digam que estamos loucos e desequilibrados e estas críticas sempre partem de uma turma profissionalizada e deslumbrada que respondem na rede social às criticas que fazemos. Enfim, dizem uma coisa no “Feed de notícias” e outra no “In Box” do Facebook.
A imanência materialista não é suficiente para entender a experiência negra no Brasil. Tudo que o negro quer agora é ser classe media, sim! E sendo classe media se inserir numa luta que necessariamente pode ser refundada na clássica luta de classe, ou não. Este debate é nosso, não é dela! Antônio Negri, inspirado em Gramsci que nos inspira, nos diz isto em seus brilhantes conceitos de império e multidão. A religiosidade africana e a luta por sua afirmação protagoniza uma luta política que põe em cheque os conceitos de raça e classe como únicos medidores da distribuição da riqueza econômica e política.
A postura hesitante e reticente nos debates nacionais demonstra um medo hegemônico, um autoritarismo messiânico, que faz a SEPPIR gastar recursos com seminários jocosos e não gastar com ações e debates essenciais. Tivessem feito ações sobre o Orçamento Público da União, as obras estruturantes, os seus investimentos e a contrapartida para a população negra. Tivessem feito um grande debate sobre o papel da Religião, da Política, da Igreja e do Estado. Tivessem feito um grande debate sobre o crime organizado e a morte sistemática de jovens negros, talvez justificássemos o papel da SEPPIR para os próximos 10 anos. Qualquer debate que não vislumbre o que faremos no futuro não tem valor histórico e político. Temo que a Conferência Nacional seja um arremedo geopolítico do que está sendo estes seminários preparatórios. Até porque eu já antecipo que tudo que iremos fazer é repetir as maiorias das proposições, já aprovadas, que possuem um baixo índice de realização.
Às vezes sinto saudades da ex Ministra Matilde Ribeiro, com sua verve fundacional de uma SEPPIR produtora de raízes multilaterais. Era assessor da Câmara dos Deputados e pude ver a forte presença da Ministra no Congresso Nacional e no debate com os movimentos sociais. Numa coisa ela era espetacular, sabia lidar melhor com os seus opositores. Hoje, altos funcionários da SEPPIR que antes faziam oposição ao mesmo governo Dlma/Lula desfilam solenemente sobre seus próprios demônios: “esqueçam o que eu disse”. Agora somos vetados, não somos ouvidos e se não somos da confraria, ai, ai...
Ainda precisamos entender as vicissitudes de uma negrada que gosta de ebó, da cruz, e da bíblia antiga e que fazem do que somos o melhor de nós. Bater na negrada de direita dizendo que não são nossos irmãos é uma irresponsabilidade política, até porque tem uma “negrada de esquerda” que está pragmatizada, rica e empoderada. Pratica os mesmos métodos e anseios que os da chamada negrada da direita.
Gosto da Ministra da SEPPIR, ela sabe disso, mas não gosto de sua gestão. Os episódios do Deputado Marco Feliciano e da criminalização ao sacrifício de animais são emblemáticos da timidez institucional da SEPPIR. Existe uma lacuna angustiada. Um fosso sem fim. A pauta baiana não é pautada e nem tratada como estratégica, nem neste Seminário e nem em momento algum. Nem pela SEPPIR e nem pela SEPROMI. A aprovação do Estatuto Estadual, o extermínio da juventude negra, a disputa de territórios em beneficio das comunidades negras e tradicionais, o combate à intolerância religiosa etc. Deveriam aparecer como elementos desafiadores aos seus 10 anos. Tudo está ficando como Pirro e o nosso crescimento como quis dizer a doutora Marilena é um mero crescimento vegetativo. Somos uma bobeira sociológica!
Resta saber: todos os negros querem a mesma coisa? E os negros que não querem a mesma coisa, se não quiserem, devem ser excluídos? Podemos fazer algo diferente do que herdamos de uma cultura política eurocêntrica? A luta pela igualdade racial é um fim ou um meio? O papel da SEPPIR e de seus gestores é lutar pela igualdade pelos seus fins ou pelos seus meios? Já antecipo que qualquer debate sobre estas posições se não forem contaminadas por críticas e autocríticas recíprocas não terá sentido algum, vamos a ele...
Sergio São Bernardo é membro do Instituto Pedra de Raio, Advogado, Conselheiro da OAB-Ba.
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