A PRESENÇA NEGRA NO AMAZONAS
* Juarez C. da Silva Jr. - 2006
A região Amazônica apresenta peculiaridades populacionais e geográficas / ambientais que a tornam diferente das demais regiões do país.
Dentre os vários mitos regionais um é o da inexistência ou baixa presença de população negra, tal mito se mantém devido em parte a generalizados conceitos étnicos errôneos e principalmente à baixa produção bibliográfica sobre o tema no contexto regional e a não sistematização e disponibilização de dados até então dispersos, mas que uma vez consolidados mostrarão uma realidade diferente do imaginário popular.
O Movimento Negro, conceitos Antropológicos e Histórico-Sociais bem como o IBGE (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA) definem população NEGRA (Afro-descendente) como sendo a soma dos auto-declarados de cor preta e parda, o que no caso do Amazonas reflete uma inexatidão devido ao fato da evidente origem indio-descendente da maioria dos “pardos” locais, o que não elimina o fato de que mesmo em minoria, significativa parcela dos pardos do Amazonas é Afro-descendente (O que pode e precisa ser determinado utilizando-se de pesquisas e técnicas de estatística populacional, mas até o momento não foi feito com respaldo e rigor científico).
A população do Amazonas de acordo com o último censo do IBGE (2000) tem a seguinte composição no relativo a questão cor/raça :
AMAZONAS
Brancos
|
Pretos
|
Pardos
|
Amarelos (e Indígenas)
|
24,8%
|
3,7%
|
65,7%
|
4,4%
|
Tabela 1
Comparando apenas a população de cor preta com a Indígena, verifica-se “empate técnico” do ponto de vista estatístico, o que significa que dizer que “não há pretos no estado” seria o mesmo que dizer que “não há indígenas no Amazonas”..., sendo estes últimos considerados históricamente a base de origem populacional , mas há de se observar que população negra não é apenas a de cor preta..., mas sim a soma de cor preta e parda..., ampliando então grandemente a representatividade dos afro-descendentes na população do estado.
Observando os dados gerais brasileiros nota-se que a população parda de origem Afro em todas as outras regiões do pais onde não ocorre esta peculiaridade, é “grossus modus” sempre de 4 a 6 vezes maior que a auto-declarada preta e na média nacional cerca de 7,5 vezes maior, em teoria não há motivos que indiquem que tal fenômeno não se repetiria no Amazonas , o que em hipótese faria com que a população parda de origem Afro no Amazonas fosse estimada na ordem de 22% da população o que somado aos 3,7% de pretos auto-declarados giraria em torno de 25% da população do estado (ou seja..., A MESMA PROPORÇÃO DE POPULAÇÃO "BRANCA", SEIS VEZES MAIS QUE A POPULAÇÃO INDÍGENA E A METADE DA POPULAÇÃO PARDA INDIO-DESCENDENTE), DESMONTANDO ASSIM O MITO DA INEXISTÊNCIA OU INSIGNIFICÂNCIA DA PRESENÇA NEGRA NO AMAZONAS.
Do ponto de vista histórico, a presença negra no estado também é evidenciada, o Amazonas teve aporte de escravos oriundos do Pará e Maranhão, verificável em documentos e relatos de época, bem como em consequências culturais no estado como o tambor de mina e o boi-bumbá , o Amazonas foi o segundo estado do país a abolir a escravidão (4 anos antes da lei Áurea de 1888) após uma campanha abolicionista de 16 anos largamente documentada, teve a AFRICAN HOUSE e no pós-abolição conhecidos “bairros negros” como a Vila São José (onde hoje é a praça da saudade) , seringal mirím , a tradicional praça 14 e o Zumbi dos Palmares, teve também o primeiro governador Afro-descendente do Brasil (Eduardo Ribeiro) em fins do séc. XIX, presença histórica de negros barbadianos e seus descendentes. Recentemente começaram a ser mapeados remanescentes de quilombos em áreas no interior (Manaquiri, Novo Airão, Rio Marau (Maués))
Governador Eduardo Ribeiro
Em 1865 o conhecido zoólogo e geólogo do século XIX Louis Agassiz veio para o Brasil comandando a Expedição Thayer (apenas para esclarecer, Agassiz era um convicto racialista e racista que defendia as ideias do que seria conhecido por Eugenia, e seus registros da população negra/miscigenada tinham como intenção corroborar com suas teorias racistas), porém o registro produzido pelo fotógrafo oficial da expedição quando da passagem por Manaus, hoje tem um efeito positivo, ajudar a desconstruir a falaciosa ideia de que "na Amazônia a escravidão negra e a notada presença populacional afro, não existiram ou foram ínfimas", abaixo fotos feitas na época com parte dessa população invisibilisada pelo senso comum:Do ponto de vista cultural
Arte e Cultura
A presença negra na cultura do Amazonas apesar de costumeiramente negada é muito perceptível , basta observar por exemplo o enorme consumo de vatapá (comida típica de origem africana) em toda e qualquer festa, a própria manifestação cultural símbolo e orgulho da identidade amazonense, o Boi-Bumbá (originado a partir do bumba-meu-boi ), foi introduzida em Parintins por um negro descendente de escravos maranhenses, Lindolfo Monteverde, no auto do boi-bumbá são os protagonistas principais (além do boi...) pai Francisco e mãe Catirina (ambos negros).
O neto e retrato de Lindolfo Pai Francisco e Mãe Catirina do Boi Garantido
|
A escola de samba pioneira de Manaus nascida no reduto negro da praça 14 , a Vitória Régia é também um destes pontos de visibilidade. Juntamente com o conhecido "barranco" e imediações onde ainda hoje residem muitas famílias negras
| |
A contribuição de afro-descendentes naturais do Amazonas ou aqui radicados no campo da cultura por vezes tem atingido proporções nacionais como o famoso compositor Chico da Silva, ou mesmo internacionais como grupos de capoeiristas amazonenses dando aulas na Coréia, Europa e Jamaica, além de diversos grupos de samba e interpretes consagrados em outros ritmos como Cileno no Reggae, Elisa Maia no "pop black" e a família Kingston nos tradicionais repertórios de festas de formatura... ou ainda de artistas fortemente influenciados pela cultura negra como a internacional Marcia Siqueira e diversas bandas de reggae e grupos de HIP-HOP.
Chico da silva Cileno Elisa Maia Marcia Siqueira Marrela Kingston Bahia Davis e Mestre KK Bonates |
Apresentação do grupo de Capoeira Cativeiro
A Cultura HIP-HOP de base negra, também é presente entre a juventude Amazonense de todos matizes.
Religiosidade
Há farta documentação sobre a presença de cultos afro em Manaus desde fins do séc. XIX e a presença de milhares de terreiros nos dias atuais (segundo estimativas da Confederação Amazonense de Religiões de Matriz Africana, mais de 4.000 terreiros). A presença da religiosidade Afro já se faz sentir onde antes era ignorada ou em espaços anteriormente negados.
Culto Afro-Católico concelebrado pelo Bispo auxiliar de Manaus e Sacerdotes do Culto-Afro - Igreja São Benedito 2005
|
Apresentação Dança do Orixás- Praça São Sebastião - 2005
A religiosidade Afro do Amazonas adquire respeito também no espaço político
Assembléia Legislativa, 2005
Durante o séc. XX novos fluxos migratórios da Pará e nordeste (notadamente Maranhão) trouxeram mais negros para o estado, além do constante trânsito de integrantes das forças armadas e familiares.
Movimento Negro
O Movimento Negro do Amazonas tem atuação e reconhecimento público desde os anos 70/80, através do Movimento Alma Negra fundado pelo falecido Nestor Nascimento, advogado e notório defensor dos Direitos Humanos, tendo sido o mesmo recebido inclusive na Casa Branca em Washington.
Nestor Nascimento em Washington
Nestor Nascimento em Washington
Após período de baixa atividade, o Movimento Negro Amazonense retomou a partir de 2003 intensa atividade através do Movimento Orgulho Negro (do qual surgiu o AFROAMAZONAS)
Da articulação de individuais e grupos ligados a outras vertentes da negritude como as Federações de cultos de matriz africana, Pastorais da Igreja católica, Capoeira, Estudantes e Professores Universitários, Movimento Hip-Hop, Grupos Folclóricos, Setorial de combate ao racismo do PT, etc..., a consolidação do Movimento Negro no estado se deu com a criação do FOPAAM- Fórum Permanente dos Afro-descendentes do Amazonas em meados de 2004, que congrega os vários individuais e grupos de negritude locais e integra o estado à Rede AMAZÔNIA NEGRA que interliga os movimentos dos estados da região norte. O estado teve em 2005 duas grandes Conferências de Promoção da Igualdade Racial e participação na 1ª Conferência Nacional e tem sido representado em vários eventos externos, tendo inclusive interagido e recebido a visita da cúpula da SEPPIR – SECRETARIA ESPECIAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (incluindo a própria Ministra) .
Para maiores informações, estatísticas, artigos e informações sobre atividades e contato visitar os sites do FOPAAM : www.fopaam.amazonida.com e do AFROAMAZONAS : www.movimentoafro.amazonida.com .
FONTE:
Nenhum comentário:
Postar um comentário